Os protestos eclodiram nas regiões costeiras da Síria, marcando uma nova onda de revolta sectária desde a derrubada do regime de Bashar al-Assad, há um ano.
Durante os protestos de domingo, as forças de segurança sírias foram alvejadas no Círculo Al-Azari de Latakia, enquanto agressores desconhecidos lançaram uma granada de mão na Delegacia de Polícia de Al-Anaza, no distrito de Banias, na província de Tartus.
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A minoria alauita, da qual al-Assad é membro, organizou protestos na sexta-feira depois que um bombardeio contra uma mesquita alauita em Homs matou pelo menos oito pessoas. Exigem garantias de segurança e reformas políticas.
Várias cidades na costa mediterrânica da Síria sofreram violência sectária mortal durante o ano passado, levantando questões sobre se o governo interino consegue manter a unidade numa nação ainda marcada por 14 anos de guerra civil.
Então, quais são os protestos e o que significam para a estabilidade política e social na Síria?
O que causou os protestos?
O bombardeio da mesquita Imam Ali bin Abi Talib, no bairro de Wadi al-Dahab, em Homs, durante as orações de sexta-feira, gerou manifestações.
O atentado foi reivindicado por um grupo pouco conhecido chamado Saraya Ansar al-Sunna, que afirmou no seu canal Telegram que o ataque tinha como alvo membros da seita alauita.
A segurança e o establishment político da Síria foram dominados pelos alauitas até à queda do regime de al-Assad em Dezembro de 2024.
Saraya Ansar al-Sunna também assumiu a responsabilidade por um atentado suicida numa igreja de Damasco em junho, que matou pelo menos 20 pessoas.
O governo da Síria condenou o ataque à mesquita na sexta-feira, descrevendo-o como o mais recente de uma série de “tentativas desesperadas de minar a segurança e a estabilidade e semear o caos entre o povo sírio”.
Quem está liderando os protestos?
Os protestos foram organizados principalmente depois de Ghazal Ghazal, uma figura religiosa alauita que vive fora da Síria, cujo paradeiro é em grande parte desconhecido, ter apelado à acção.
Ele lidera um grupo chamado Conselho Islâmico Supremo Alauíta na Síria e no exterior.
“Queremos federalismo político… Queremos decidir o nosso futuro”, disse Ghazal numa mensagem de vídeo no Facebook, referindo-se a um sistema de governo que partilha o poder entre o governo nacional e os seus estados.
Os manifestantes apelaram a uma maior protecção da comunidade alauita, à responsabilização pelos ataques contra civis e a garantias políticas.
Nas cidades e zonas costeiras, incluindo nas províncias mais amplas de Latakia e Tartus, eclodiram confrontos entre manifestantes alauitas e manifestantes que apoiavam o novo governo.
Correspondentes da Al Jazeera em Latakia relataram ter visto manifestantes atirando pedras contra manifestantes alauitas, enquanto um grupo de manifestantes espancava um manifestante que entrava na sua área.
O Ministério da Defesa da Síria disse no domingo que unidades militares se mudaram para os centros destas cidades após ataques de “grupos sem lei” contra civis e pessoal de segurança, numa tentativa de restaurar a estabilidade.
Houve alguma vítima?
Quatro pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridas nos distúrbios em Latakia, informou a agência de notícias oficial síria SANA.
Citando responsáveis da direcção de saúde da Síria, a SANA disse que os ferimentos incluíram “facadas, golpes com pedras e tiros contra pessoal de segurança e civis”.
Mais tarde no domingo, o Ministério do Interior informou que um dos seus agentes de segurança foi morto no confronto.
Dois seguranças ficaram feridos em Tartus quando agressores não identificados lançaram uma granada de mão na delegacia de polícia de Al-Anaja.
Quem são os alauitas?
Os alauitas são uma minoria religiosa na Síria e o segundo maior grupo religioso depois dos muçulmanos sunitas.
Os alauitas representam 10 por cento dos 23 milhões de habitantes da Síria, mas a comunidade tem sido politicamente poderosa sob al-Assad, que governa a Síria desde 2000 e é fortemente recrutado na comunidade alauita para o seu exército e aparelho de segurança.
Desde a derrubada de al-Assad, a Síria assistiu a vários casos de violência sectária. Em Março, a violência eclodiu em cidades costeiras, incluindo Latakia, Banias, Tartus e Jableh, e grupos aliados do governo foram acusados de levar a cabo execuções sumárias, sobretudo de civis alauitas.
Uma comissão governamental encarregada de investigar os ataques concluiu que cerca de 1.400 pessoas morreram nos dias de violência.
Em Julho, a violência entre comunidades beduínas drusas e sunitas eclodiu na província de Suwayda, no sul, embora os especialistas afirmem que o conflito está enraizado em questões mais complexas do que apenas o sectarismo, incluindo disputas históricas por terras. Essa agitação levou Israel a bombardear o Ministério da Defesa da Síria e outros alvos na capital, Damasco – aparentemente para proteger os drusos, uma medida que activistas e analistas locais dizem ser a intenção de Israel de alimentar a instabilidade interna.
Os alauitas manifestaram queixas sobre a discriminação nas contratações no sector público desde a queda de al-Assad e sobre a detenção de jovens alauitas sem acusação formal.
Será o governo sírio capaz de manter a paz?
O presidente interino da Síria, Ahmed al-Shara, enfatizou a necessidade de “manter a unidade nacional e a paz interna”.
No Fórum de Doha deste mês, al-Shara disse que as pessoas na Síria “não se conheciam muito bem” devido a problemas herdados do regime de al-Assad.
De acordo com Rob Geist Pinfold, estudioso de segurança internacional do King’s College London, as persistentes divisões sectárias na Síria e o poder limitado do governo central estão a alimentar as exigências das minorias pela descentralização.
Os alauitas não são a única minoria que expressou preocupação com o sectarismo desde a queda de al-Assad, disse Geist Pinfold à Al Jazeera.
Ele disse que o governo interino não conseguiu até agora integrar as áreas controladas pelas Forças Democráticas Sírias (SDF) lideradas pelos curdos no novo governo, apesar de um acordo de 10 de Março planeado para a integração.
Especialistas dizem que isso se deve em grande parte à desconfiança.
Os grupos minoritários, incluindo os alauitas e os drusos, “não pensam que o governo tenha os seus interesses em mente e na verdade vêem o governo como uma ameaça à segurança”, explicou Geist Pinfold.
“A Síria está presa neste círculo vicioso onde o governo não tem confiança nos grupos minoritários. Não consegue exercer poder suficiente para trazer esses grupos minoritários para o grupo”, disse ele, acrescentando: “Não quer fazê-lo de uma forma coercitiva ou repressiva, o que os aliena ainda mais”.
O que acontece a seguir?
Nos próximos dias, Geist Pinfold disse que poderia haver dois resultados possíveis.
“Um resultado positivo é que o governo sírio alcance algum tipo de entendimento ou tentativa de entendimento com as FDS no leste da Síria, o que indica algum tipo de roteiro para a integração futura”, observou ele, acrescentando que tal medida reduziria as tensões não apenas no leste da Síria, mas também em outras regiões.
No entanto, alertou que a continuação da violência poderia alimentar profundas divisões étnicas e sectárias.
“A Síria está à beira de um precipício muito perigoso”, alertou, comparando o risco de o Iraque cair na violência sectária em massa após a invasão liderada pelos Estados Unidos em 2003.






